A crise da saúde, os profissionais e os políticos - 2
Pela enorme importância que a saúde representa para todos, a crise endémica com que há décadas se debate o nosso Serviço Nacional de Saúde, deixou de ser mais um problema, e passou a ser o nosso grande problema atual, uma vergonha nacional, da qual, tanto os profissionais da saúde como os políticos que governam o país, ainda que uns mais do que outros, ninguém sai limpo nem está totalmente isento de culpas.
Não é justo nem honesto dizer isto e mais aquilo dos serviços médicos, dizer cobras e lagartos da medicina privada em contra ponto com o Serviço Nacional de Saúde, e muito menos ainda diabolizar todos os médicos, os enfermeiros e os auxiliares de saúde porque, quando querem e quando podem e se dedicam exclusivamente à sua profissão, como em muitas outra profissões e atividades, temos profissionais que pedem meças ao que de melhor se faz por esse mundo fora.
Contudo, porque toda a bela tem senão, não há como negar que também nesta classe de profissionais há um número, talvez muito maior do que seria de esperar que, em total desrespeito pelo juramento que fizeram no início da sua atividade profissional e pelos direitos e pelas necessidades dos doentes que a eles acorrem, exploram as fragilidades do sistema em proveito próprio, num horizonte profissional que concentram à volta dos seus umbigos, à imagem e semelhança de um qualquer feirante ou vendedor ambulante de banha da cobra, cuja grande preocupação é única e exclusivamente, “ganharem o seu”.
É triste, mas é uma realidade incontornável.
A este propósito, não resisto a contar parte da conversa, entre o anestesista e o cirurgião, mantida no quarto da casa de saúde da Boavista do Porto, onde estive internado alguns dias depois de ali ter sido submetido a uma pequena cirurgia. Muito provavelmente, pensando que eu ainda estaria sob o efeito da anestesia geral, o cirurgião confidenciou ao anestesista que estava muito preocupado com os honorários, muito para além das tabelas, que ia ser obrigado a faturar, mas que não tinha como evitar isso, porque, imaginem, precisava urgentemente de muito dinheiro para meter à troca um dos seus cavalos, por outro mais novo, de grande qualidade e com muito futuro, que tinha deixado apalavrado na feira de gado, ali para os lados de Lamego, na qual, mal o vira e não obstante ser tão cara, ficara apaixonado pelo garbo, pela beleza e pelo encanto daquela alimária.
É evidente que, em pleno século vinte e um, seria uma utopia sem sentido, esperar que todos os médicos fossem a reincarnação do celebre médico de aldeia que pela dedicação, desinteresse, sentido de missão e filantropia como sempre exerceu a sua profissão, ficou conhecido para sempre como o João Semana da história da medicina em Portugal.
É caso para citar a celebre exclamação latina: “o tempora, o mores”
(Continua)