Na política em democracia, a culpa não pode morrer solteira
Nos tempos de antanho, sempre que havia nomeações para funções de direção ou de chefia, era habitual ouvirem-se nos corredores e nos mentideros das empresas, comentários com alguma piada, muito cinismo e estremo mau gosto, pondo em causa as condições, o perfil e a aptidão dos sortudos que eram investidos naquelas funções, chegando-se mesmo a afirmar que “só ia para chefe quem não servia para mais nada”.
Isto, com mais ou menos a razão, era o que se dizia antigamente. E agora?
É inegável que, especialmente na atividade privada, só por manifesta má fé e sectarismo obtuso se pode ignorar que muita coisa mudou e mudou para melhor, bem ao contrário do sector público, onde, quando alguma coisa muda, regra geral já é tarde, fica tudo na mesma, quando não mesmo ainda pior.
A quem não conseguir ver esta triste realidade, sugiro que, sem ideias pré concebidas, despido de preconceitos e sem tiques de superioridade ou de novo riquismo, em vez de andar pelas ruas das cidades e pelos centros de férias, esvoaçando como borboletas tontas à volta dos mesmos famosos de quase sempre que, impantes de orgulho e de vaidade se pavoneiam nas areias das praias das elites, instalam nos hotéis top e, fora da vista dos curiosos, se divertem à grande e à francesa, onde e como muito bem lhes dá na real gana, sugiro que, de vez em quando, para ter a noção exata da realidade atual do país que somos, meta pés ao caminho e passe nas ruas e nos becos ao encontro do nosso povo e das nossas gentes, para sentir o pulsar dos seus corações, aquilatar o peso dos seus problemas, avaliar a dimensão dos seus anseios e ter a noção exata do que são as dificuldades ciclópicas e os dramas, tantas vezes ocultos, que os atormentam.
E que ninguém se iluda, porque a manterem-se as atuais condicionantes, que envergonham o passado, condicionam o presente e nada de bom auguram para o futuro e, especialmente, a insistir-se em ter mais olhos do que barriga, não há nada que nos possa garantir por quanto tempo mais poderemos ter orgulho de ser portugueses, filhos da que, durante tantos séculos, tem sido a nossa ditosa e querida pátria lusitana.
Pela mesma razão que seria injusto e desonesto atribuir todas as culpas desta situação aos políticos e aos migrantes, não se pode ignorar que muitos deles também tenham a sua parte de leão.
Neste grave problema que já não é só de hoje, a uns e outros, lembro a milenar mensagem bíblica do Livro do Génesis (18, 20-23), na qual Abrão, para que os justos não tivessem a mesma sorte dos pecadores, pede ao Senhor que se nelas fossem encontrados cinquenta justos, poupasse as cidades de Sodoma e Gomorra.
Depois de muito procurar, Abraão teve de confessar ao Senhor que só conseguira encontrar dez justos, o Senhor respondeu-lhe:
“Em atenção a eles não destruirei as cidades.” Para o bom entendedor! .…